Há cerca de dois meses que estou a trabalhar numa história relativamente pequena (cerca de 6000 palavras) quando ao rever mais uma vez o enredo reparei, para meu grande espanto, que um pormenor que é fulcral para a sua resolução não era explicado nem fazia sentido. É interessante porque já tinha pensado exaustivamente em todo o enredo da história e, contudo, deixei escapar algo que agora me parece tão absurdamente óbvio. Este pormenor tem grande importância na maneira como a história se desenrola: é ele que leva a heroína a ponderar entre duas escolhas e é ele que, em última instância, justifica uma boa porção dos eventos que ocorreram antes da narração e que condicionaram a própria história. De imediato comecei a pensar em várias razões para que esse pormenor fosse válido na história e, embora ainda não esteja convencida de que consiga dar a volta a esta inconsistência, acredito que ao escrever um pouco mais conseguirei apresentar uma linha lógica.
Podem surgir inconsistências e falhas no enredo de qualquer história, por mais curta que seja. Tratam-se de pormenores que, na altura da escrita ou do planeamento são aceites incondicionalmente por nós mas que, algum tempo depois, revemos e pensamos "Como é que explico a passagem daqui para aqui?" ou "Esta transição não faz sentido e não explica...". São detalhes como estes que podem fazer a diferença para os leitores entre aceitarem e acreditarem na história ou interromperem a leitura devido à confusão ou à descrença - são detalhes que podem suscitar uma variedade de questões e com isso impedir o leitor de continuar a apreciar o livro, comprometendo a experiência da leitura.
A solução passa por pôr a história de parte para voltar a ela algum tempo depois - o suficiente para termos a certeza de que vamos reler o que escrevemos com um novo olhar ou, pelo menos, um olhar mais "fresco", descomprometido das experiências e do padrão de pensamentos que tínhamos naqueles dias em que planeámos o enredo. Rever um enredo com um certo tempo de distanciamento permite que se obtenha uma maior compreensão de todas as perspectivas sobre a qual aquela história pode ser compreendida e questionada, fornecendo informações valiosas para que se possa alterar alguns pormenores que ora explorem ora expliquem porções da história que não eram muito claras ou que não faziam sentido de todo. E é engraçado olhar para o que escrevemos no passado e confrontarmos a nossa visão crítica actual com a forma como imaginámos ou planeámos a história naquele momento.
É possível que daqui a uns posts, quando tiver a minha história pronta, conte exactamente qual foi a inconsistência que apareceu no meio da minha suposta cuidada planificação. Por enquanto, deixo um caso de uma série de livros cuja realidade e mundo aceitei durante uns bons anos e que, depois de uma exploração mais intensiva, comecei a questionar: Harry Potter. Até hoje penso que J. K. Rowling deveria ter explicado por que razão a comunidade internacional de feiticeiros não toma qualquer acção em relação ao Voldemort, por exemplo. E este é somente uma das muitas falhas que, apesar de continuar a gostar de Harry Potter, me fazem desejar que algumas partes estivessem melhor explicadas. Ainda assim, estou certa de que existem muitos mais exemplos noutros livros. :)
Desejo-vos uma boa semana!
Oh, gostei do tema do post. :) Acho que a transição do pensamento/sentimento para a linguagem ("do hermenêutico para o apofântico") nunca é perfeita, mas é essa proximidade que faz o bom escritor e a boa leitura. :} besos
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